Baixa qualificação nas engenharias pode impactar o crescimento do País

06/11/2023 09:42

Baixa qualificação nas engenharias pode impactar o crescimento do País

De 1,3 milhão dos graduados entre 2000 e 2020, 477 mil não têm registro profissional; mais de 50% são egressos de cursos com baixo desempenho no Enade, mostra estudo

Lucia Monteiro
5 de novembro de 2023 às 21:34

Francisco Almeida, diretor-presidente da Mútua: falta fiscalização efetiva dos cursos (Divulgação)

A baixa qualificação profissional dos egressos dos cursos das várias áreas da Engenharia tem preocupado o mercado e pode produzir sérios impactos econômicos que devem prejudicar o crescimento do País. A baixa qualidade da formação gerou uma grande carência por profissionais qualificados: 70% das empresas apontam dificuldades para contratar engenheiros com a qualificação adequada, segundo o levantamento “O futuro das engenharias no Brasil 2023”, divulgado pela Mútua - Caixa de Assistência dos Profissionais do Crea.

Mais de 50% dos profissionais são egressos de cursos de engenharia com conceito 1 e 2 (baixo desempenho) no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). O resultado da baixa qualificação são milhares de profissionais que não conseguem se inserir no mercado ou atuam na informalidade. De acordo com o levantamento da Mútua, dos quase 1,3 milhão de egressos de cursos entre os anos 2000 e 2020, quase 477 mil não se registraram no Sistema Confea-Crea.

Além disso, sobre 18% dos egressos de cursos de todas as áreas da engenharia (quase 200 mil pessoas), não foi possível levantar qualquer tipo de informação, ou seja, estão em subempregos ou na informalidade. “A má formação não afeta apenas os próprios profissionais, mas também o País, que não consegue se posicionar de forma competitiva em um ambiente global onde conhecimento e inovação definem quem terá relevância econômica e influência”, alerta o engenheiro Agrônomo Francisco Almeida, diretor presidente licenciado da Mútua.

Segundo ele, este contexto de baixa competitividade do País aumenta quando se leva em conta o fortalecimento ou surgimento de novas modalidades nas engenharias, ou “super especializações”, para as quais ainda não há formação adequada. Entre os exemplos, estão as engenharia de inteligência artificial, de dados, biomédica, aeroespacial ou de automação agrícola. Estas demandas surgem de novas dimensões, como sustentabilidade, transição energética, mobilidade urbana, novas configurações do trabalho, inclusão social, envelhecimento da população, conectividade e gestão de dados.

Para Francisco Almeida, que já presidiu o Crea-GO (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás) por quatro mandatos, assusta o fato de somente metade dos profissionais estar exercendo a profissão, entre engenheiros com carteira assinada ou empresários, apesar da grande demanda do mercado. “O grande problema é que muitos estão se formando apenas para receber um diploma, sem capacidade técnica, enquanto o mercado está exigente porque tem custos apertados e não pode ensinar profissional a trabalhar”, ressalta o diretor presidente da Mútua.
Uma das preocupações é com a baixa qualidade da formação proporcionada por um grande número de cursos no formato de ensino à distância (EAD), além de algumas faculdades particulares. “Temos uma grande carência de profissionais, não de pessoas com diploma”, destaca Francisco Almeida. Entre as causas da baixa qualidade de ensino, estão deficiências de infraestrutura, como a falta de laboratórios. “Muitos cursos praticam verdadeiro mercantilismo e não reprovam os maus alunos por questões financeiras”, adverte.

Almeida garante que não falta mercado de trabalho para quem tem competência técnica, diante de uma grande escassez de mão de obra com qualidade, um problema que também ocorre em outras profissões. “Se o País crescer 3%, não terá profissionais capacitados suficientes para atender a demanda”, prevê o engenheiro.

Qualidade

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção de Goiás (Sinduscon-GO), Cezar Mortari, lembra que enquanto faltam profissionais em quantidade suficiente nos canteiros de obras, na Engenharia o apagão é de qualidade. Por isso, segundo ele, as empresas têm dificuldade para adaptar os poucos profissionais disponíveis às suas necessidades de qualificação e especialização em determinados setores. “Houve uma redução da qualidade da formação das engenharias. Precisamos saber as causas para melhorar isso”, adverte.

Mortari acredita que um dos motivos da baixa qualidade do ensino tenha sido a proliferação de escolas particulares no início da última década. Até instituições particulares tradicionais passaram a ter várias turmas, criadas para atender a maior demanda por profissionais a partir de 2010. “Naquele momento, houve um atropelo, um aumento muito grande de turmas, o que resultou numa safra um pouco menos qualificada”, avalia.

Outra causa teria a ver com questões socioculturais: o baixo interesse dos jovens pelos estudos, incluindo a falta de leitura e escrita de qualidade. “Muitos frequentam as aulas, mas só querem mesmo cumprir a carga horária para ir embora. Durante as aulas, estão nas redes sociais. É uma geração que não dá mais tanto valor ao ensino”, diz o presidente do Sinduscon-GO.

O resultado disso é que a quantidade de conteúdo absorvida é muito baixa e as empresas, principalmente as grandes, é que estão complementando o ensino, se transformando em verdadeiros “cursos de pósgraduação” para os recém-formados. “Outras pagam cursos para complementar a formação dos funcionários”, conta.

Com 338 cursos, demanda em Goiás caiu quase 30%

O interesse pelos cursos das áreas de engenharia também tem sido cada vez menor. De acordo com o estudo feito pela Mútua, entre 2014 e 2020, houve uma queda de quase 30% no número de candidatos inscritos em processos de seleção para os cursos de engenharia. Isso significa que, neste mesmo período, mais de 500 mil jovens perderam o interesse em atuar nestas profissões.

Mesmo assim, um levantamento feito pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Educação Superior de Goiás (SEMESG), a pedido do POPULAR, revelou que existem 338 cursos das diversas áreas da Engenharia em atividade no Estado, sendo 165 presenciais e 173 à distância. Porém, apenas 6% destes cursos foram avaliados como de alto desempenho pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).

O presidente do SEMESG, Jorge de Jesus Bernardo, lembra que as instituições particulares, que respondem por 75% das matrículas, são autorizada pelo Ministério da Educação (MEC) e sofrem constante avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Porém, 95% dos alunos estudam e trabalham e, muitos deles, estão em cursos noturnos. “Não dá para comparar isso com as condições daqueles que têm acesso ao ensino integral”, ressalta.

Além disso, a instituição também pode pedir a avaliação do curso para verificar o que pode ser melhorado. “Temos faculdades e centros universitários que se destacam em Goiás e no Brasil”, diz o presidente do SEMESG. Todavia, ele reconhece que este mercado tem instituições mais e menos preparadas, sendo que algumas às vezes são suspensas por conta da baixa qualidade do ensino.

Outra polêmica, segundo Bernardo, diz respeito aos cursos EADs, cuja grande maioria está em instituições privadas, mas que, na maioria das vezes, são mais utilizados para complemento de carga horária. Mas o maior problema seriam alguns “aproveitadores do mercado”, que praticam preços muito baixos e ainda sonegam impostos. “No mundo todo, este sistema funciona muito bem. Mas, no Brasil, existe o famoso ‘jeitinho brasileiro’ e muitas instituições acabam não primando pela qualidade do ensino”, destaca.

Ele informa que Goiás deve receber um evento sobre ensino superior que discutirá EAD. “O MEC já recebeu vários posicionamentos nossos, negativos e positivos, sobre EAD para resolvermos os problemas. O ensino à distância é uma coisa boa. O problema é quando a forma de implementação tem o único objetivo de caça-níquel”
, alerta.

O presidente do SEMESG defende que as entidades profissionais ligadas às engenharias também têm obrigação de acompanhar a qualidade dos cursos oferecidos no mercado. “Se existe denúncia sobre um curso que não funciona bem, é só procurar o Inep ou mesmo nós do SEMESG”, avisa. Além disso, o Ministério Público Federal também conta com promotores com ações efetivas contra instituições para fechar cursos.

“ ...o ensino à distancia é uma coisa boa. O problema ocorre quando  forma de implementação tem o único objetivo de caça-níquel.”
Jorge Bernardo - Presidente do SEMESG

Disciplinas

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção de Goiás (Sinduscon-GO), Cezar Mortari, também alerta para a necessidade de disciplinas mais atualizadas com as novas realidades das empresas e do mercado.

Para Francisco Almeida, diretor-presidente licenciado da Mútua, também falta uma fiscalização mais efetiva do MEC, com a participação dos conselhos regionais de engenharia, que precisam se unir numa ação coordenada em busca de soluções para formar bons profissionais para o mercado. Uma das saídas poderia ser a participação dos conselhos nas avaliações das faculdades. O alerta é que o Sistema Confea-Crea tenha um olhar mais atento para aqueles que estão na universidade, aproximando-se desde cedo deste público.

Uma das conclusões do levantamento da Mútua - Caixa de Assistência dos Profissionais do Crea é justamente sobre a necessidade do Sistema atuar de forma mais intensa nos currículos dos cursos, que devem ter uma combinação entre um saber científico-tecnológico robusto com um saber humano e social, que permitirá conhecer os problemas reais da sociedade.

“Essa combinação, além de fortalecer o ensino, também tornará os cursos mais interessantes para os jovens, atribuirá um sentido prático aos saberes escolares e contribuirá para uma aproximação entre formação e emprego”, conclui o estudo da Mútua.

Fonte: Jornal O Popular



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