'Existe uma presunção de que o híbrido vai funcionar para todos'

04/03/2021 16:10

\'Existe uma presunção de que o híbrido vai funcionar para todos\'

VALOR • 04 de março de 2021

Fonte da Notícia: VALOR

Data da Publicação original: 04/03/2021

Publicado Originalmente em: https://valor.globo.com/carreira/noticia/2021/03/04/existe-uma-presuncao-de-que-o-hibrido-vai-funcionar-para-todos.ghtml

As organizações que apostarem no modelo híbrido de trabalho, com parte do efetivo em home office e outra no escritório, correm o risco de ter o pior dos dois mundos. A insatisfação estará presente nas duas pontas, entre os que vão preferir ficar em casa e os que não veem a hora de voltar. Se as empresas não ouvirem as pessoas e agirem motivadas apenas pela reconstrução de um senso de comunidade, sem deixar claro quais serão as suas políticas de avaliação, promoção e desempenho, um modelo misto não irá funcionar.

Quem afirma é o professor de comportamento organizacional da Harvard Business School (HBS), Ethan Bernstein, um dos maiores estudiosos da atualidade sobre as mudanças no ambiente de trabalho e seu impacto na produtividade, liderança e colaboração nas empresas. Em 2018, um estudo conduzido por ele sobre os escritórios de plano aberto, colocou por terra a tese de que estando lado a lado, sem baias, as pessoas interagiriam mais pessoalmente. Provou que a comunicação acontecia mais por e-mail e chats do que ao vivo.

Na pandemia, junto com professores da AT Austin McCombs School of Business e a consultoria Humanyze, Bernstein acompanhou o comportamento de 600 pessoas, de diferentes perfis, que estavam trabalhando em home office. Concluiu que as jornadas ficaram até 20% mais longas e que as pessoas estavam fazendo de tudo para manter essa performance independentemente do estresse que estavam enfrentando.

Agora, Bernstein que também desenvolveu estudos sobre as relações de trabalho virtuais, defende que aquilo que as organizações esperam com o trabalho híbrido é muito difícil de se conseguir e que ninguém ainda está preparado para enfrentar esse desafio hoje. A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Após um ano de home office, muitas pessoas estão nostálgicas do lado bom da vida no escritório. Esse senso de pertencimento ocorrerá no modelo híbrido?

Ethan Bernstein: Existe um longo histórico de pesquisas em psicologia que mostram que os seres humanos não são particularmente bons em lembrar as coisas ruins. Portanto, estamos famintos pelas conversas no refeitório. Esquecemos o fato que tínhamos que sentir o cheiro da comida o dia todo que, por algum motivo, era particularmente fedida no escritório. Lembramos todas as conversas que tivemos no corredor e esquecemos das brigas. Lembramos de reuniões realmente produtivas e esquecemos todo o tempo perdido no trajeto para chegar ao escritório. Quando voltarmos, as pessoas se lembrarão do lado bom, mas também do ruim. Haverá tensões entre os funcionários, tendo que descobrir o que é híbrido para eles. Esse cenário será muito difícil para organizações onde existia uma política única de local de trabalho. As empresas investiram muito nos espaços físicos nos últimos cinco anos. Meu conselho é ouvir as pessoas, entender porque elas trabalharam relativamente bem a distância, e encontrar uma maneira de elas conseguirem o que perderam, mas sem voltar ao passado.

Valor: O fato de os chefes terem experimentado eles mesmos o trabalho a distância pode ajudá-los a ter mais empatia pelos funcionários que ficarem remotos?

Bernstein: Vamos supor que realmente os seres humanos sejam melhores e que os gestores mantenham a empatia por mais tempo, mas como as tendências vão se consolidar eu realmente não entendo completamente. Sempre que você estiver em um ambiente de trabalho híbrido ele não estará em um plano nivelado. Eu pessoalmente prefiro manter todos em um plano nivelado nas salas de aula como fizemos no ano passado à distância, porque há muitas desigualdades crescendo, são muitas perspectivas diferentes, pessoas. Poderíamos nos aproximar assim, mas me parece um caminho estranho para nós de alguma forma porque estamos tentando criar ações que sempre foram difíceis neste ambiente híbrido.

“Se perdermos as questões importantes apenas para ter um senso de comunidade o modelo não vai dar certo”

Valor: Quais ações?

Bernstein: Para mim é o pior dos dois mundos, pois todo mundo tem que ter um laptop. Portanto, um gestor empático pode dizer: quando tivermos nossas reuniões pessoalmente, por favor, tragam seus laptops para que possamos conversar com os que estão remotos. As pessoas na sala vão se sentir satisfeitas com o fato de que agora estão trabalhando dessa forma? Terão empatia por quem está em casa ou vai ser uma frustração? Talvez elas não se frustrem com a tecnologia, mas com a situação em si e sintam que há indivíduos que os forçam a trabalhar dessa forma porque não podem, se recusam ou porque o RH os impede de ir ao escritório. Parece um campo minado e não acho que cada um de nós está pronto.

Valor: Muitas companhias dizem que vão humanizar os escritórios criando mais espaços para interação, e que eles funcionariam mais como um lugar para colaboração do que para fazer tarefas diárias. Elas estariam confiantes demais nessa transição?

Bernstein: Acho que existe uma presunção hoje de que o ambiente híbrido funcione para todos. É preciso antes responder a todas as perguntas que você está me fazendo agora. Se a colaboração vai funcionar bem, como vou manter todos em um mesmo plano, o que eu penso sobre a avaliação de desempenho, sobre crescimento e promoção, qual o critério para atribuir mais, o que penso sobre quem deve voltar ao escritório, quais grupos, quais equipes. Como faço a escolha das pessoas: elas têm que escolher ou devem ser forçadas? Se você está recrutando, o que você prioriza? Qual será o processo de integração: você tem que ensinar a todos as duas formas de trabalhar? Pessoas que sempre viajavam antes, todas vão ficar virtuais?

Valor: E se a empresa ainda não tiver essas respostas?

Bernstein: Neste caso, meu conselho é permanecer virtual. Porque mesmo quando você responde a todas essas perguntas não é fácil abarcar a exceção: “Eu gostaria de ter algumas horas ou dias quando todas as pessoas se encontrassem novamente”. Mas se perdermos as questões importantes apenas para ter um senso de comunidade não vai dar certo. Esse é o meu medo.

Valor: No pós-pandemia, as empresas deveriam mudar a forma como avaliam o trabalho, o desempenho e reconhecem as pessoas que estarão presenciais e remotas?

Bernstein: A avaliação de desempenho tem que ser redefinida porque nunca funcionou antes, porque todos que optaram pelo trabalho virtual sempre foram tratados como de segunda classe. E eles têm necessidades pessoais. Os vendedores já fazem isso há muito tempo, mas reportam a outros vendedores e todos se entendem. Eles não precisam trabalhar híbridos, porque apenas vendem, mas quando metade do departamento, equipe ou o que quer que seja tem uma condição diferente em relação à outra, é um problema totalmente diferente para resolver. Ela pode estar fazendo coisas que parecem estranhas para nós como seres humanos, que parecem como um date rápido virtual, exceto pelo fato de que ele é projetado para construir grandes laços, para ajudá-lo a ter uma conversa com alguém de uma outra forma, até de um jeito mais profundo do que você normalmente faria. O que eu vejo nessas organizações é que o espaço físico ajudava a buscar uma conversa com alguém que você normalmente não falaria. Isso acontecia no refeitório, no corredor. Se você fosse um alienígena se perguntaria porque humanos vão ao bar para conversar e fazer amigos, lugares onde as pessoas falam alto e mal conseguem se ouvir? Não é um ambiente particularmente bom para conversar. Mas funciona porque estamos indo para esse espaço com a intenção de fazer isso. Parece-nos estranho que as organizações falem para que você fale virtualmente com alguém que não conhece. Se meu chefe me diz para fazer isso, acho estranho, mas 15 minutos depois as pessoas acham que foi legal. Eu vi seus filhos, aprendi um pouco sobre a pessoa e a sua formação. Essas reuniões virtuais podem substituir e até servir para pesquisas sobre como vamos estabelecer nossos laços no local de trabalho no longo prazo. Isso pode trazer respostas sobre o trabalho híbrido.

Valor: As pessoas perdem muito do que acontece nos bastidores da organização frequentando apenas reuniões virtuais?

Bernstein: Sim. As conversas de 30 minutos são sempre tão importantes quanto as que acontecem 3 minutos antes e 3 minutos depois. Portanto, a questão é agendar 15 minutos antes e ficar outros minutos depois. A primeira vez pode parecer estranho, mas funciona. Isso requer que o ser humano aprenda coletivamente, o que não é fácil. Entendo quem sente falta dessas coisas, só acho que dá para pensar como fazer isso no mundo virtual.

Valor: Em um estudo recente, o senhor pesquisou qual o ritmo de trabalho das pessoas que estavam em casa. Quando sairmos da pandemia, vamos ter desenvolvido o nosso próprio ritmo?

Bernstein: Nosso ritmo de trabalho ficou mais rápido do que pensávamos, temos dados sobre isso, mas tivemos que trabalhar muito para que funcionasse. Na verdade, a maioria das pessoas está realmente cansada de aspectos desta vida que nada têm a ver com trabalho. É difícil viver na pandemia. Ponto. A parte do trabalho na vida das pessoas ficou mais administrável agora, sei que muita gente tem vontade de ter os filhos fora na escola, isso cansa a gente. Mas acho que temos menos trabalho hoje em dia. Pessoas que costumavam voar um dia para uma reunião de duas horas, estão menos cansadas do que antes. O cansaço é porque as pessoas estão fazendo três vezes o trabalho que costumavam fazer. Elas têm que recuar nisso. Se a produtividade ainda está alta, eu acho que é porque as pessoas ainda têm pouco controle sobre os seus sentimentos.

 

 



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