Para que serve a universidade?

16/09/2014 16:45

Para que serve a universidade? (Artigo)
Professor livre-docente da ECA-USP e presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)
Na Idade Média, a julgar pelo monumental trabalho de Jacques Le Goff, em meio ao duelo entre a cultura popular e a cultura erudita, era lugar-comum afirmar-se, com hostilidade, que a universidade para nada servia, salvo para consumir bens, dinheiro dos impostos e criar a "aristocracia do saber". A evolução tecnológica e o conhecimento humanístico provaram justamente o contrário e a universidade se afirmou como centro ativo de conhecimento e produção do saber.
No Brasil dos dias atuais, a sensação que fica é que estamos caminhando rumo ao passado. As greves nas universidades públicas, entre elas a conceituada Universidade de São Paulo e pelo menos mais uma dezena de instituições, se sucedem e são cada vez mais longas. À primeira vista, são movimentos meramente salariais, que, no fundo, prejudicam apenas os alunos e os professores que desejam ministrar aulas. Uma aproximação maior revela a realidade plena: o trabalho intelectual vem sendo cada vez mais desvalorizado.
O número de alunos cresce, as profissões se multiplicam, sobretudo impulsionadas pelas novas tecnologias, e as exigências, quanto à formação universitária ganham amplos horizontes. Há, em particular, o imperativo da formação continuada e a complexidade de lidar com um mundo que se transforma na rapidez da interdependência econômica. País desenvolvido, mais do que em qualquer outro século, tornou-se sinônimo de país com universidades sólidas, com tradição vigorosa de pesquisa e capaz de se posicionar na vanguarda dos múltiplos saberes. Não basta apenas educar, é preciso desenvolver e democratizar, sem populismos, o conhecimento.
Curiosamente, nada disso é visto como fundamental deste lado do mundo. Historicamente, chegamos tarde ao ensino superior. Enquanto as Américas espanhola e inglesa conheceram a universidade ainda nos primórdios do período colonial, quase que simultaneamente à Europa, o Brasil precisou esperar até o final do século 19 para entronizá-las na vida social, assim mesmo pelo caminho do ensino médico e do bacharelado e direito. Não pelo caminho da ciência, que libertou o progresso do espartilho da magia e das amarras religiosas. Procurou-se um saber racional, laico, em muitas partes de matriz aristotélica, que deu prestígio ao papel público da formação universitária.
Entre nós, não seria exagero dizer que construímos importantes instituições e que elas desempenharam com êxito seu papel. Tanto que são inúmeras as universidades reconhecidas pela sociedade pelos valores, a excelência dos professores e estudantes. O desenvolvimento ainda está distante do desejável, mas progride. O que, talvez poucos saibam, é que com raras exceções, a instituição universidade sofre o drama do sucateamento.
Assistimos, assim, ao desenrolar de dois fenômenos contraditórios: o ensino se massifica, uma vez que a antiga "aristocracia do saber" se tornou fora do tempo, e a ideia básica é oferecer mais e mais vagas; em paralelo, a universidade perde o brilho, a direção não entende o valor do diálogo e da gestão competente na sociedade contemporânea, professores são desprestigiados, os funcionários são mal pagos, falta orçamento para pesquisas e mesmo para a folha de pagamento. O inventário de adversidades é extenso. Resume-se em sutil mas rápida decadência, sem razão para existir.
Nesses dias de greves prolongadas, é sintomático que o tema crise universidade não aflore, em profundidade, nos debates dos presidenciáveis. É como se as greves com seu imenso cortejo de medo, riscos de perda de emprego, tensão quanto à incerteza do momento e do futuro, pertencesse a um país, e a campanha eleitoral se desenrolasse em outro país. A universidade e suas tendências não seria assunto de debates seminais? Pode-se pensar em democracia e desenvolvimento sem universidades que deem alicerce ao saber? As greves na universidade exigem ampliar a tela para além da questão salarial e se vislumbre quadro muito mais amplo a exigir soluções estruturais imediatas.
Já vivemos, no passado colonial, longo divórcio entre o saber e o destino da nação. Predominava por parte do colonizador o limitado sentimento de fiscalização e defesa. Isso atrasou o país em mais de três séculos. Agora, predomina a ilusão. Imagina-se poder ampliar vagas sem a contrapartida da valorização do trabalhador intelectual e de orçamentos compatíveis com as crescentes demandas. Vença quem vencer a corrida presidencial, quando as urnas se abrirem não haverá alternativa senão a de reconhecer a crise do ensino superior e, afinal, responder à candente questão: afinal, para que serve a universidade brasileira?
CORREIO BRAZILIENSE - DF
PAULO NASSAR

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