Enade amplia escopo da avaliação

17/06/2025 14:05

Enade amplia escopo da avaliação

REVISTA ENSINO SUPERIOR • 13 de junho de 2025

Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR
Data da Publicação original: 12/06/2025
Publicado Originalmente em: https://revistaensinosuperior.com.br/2025/06/12/enade-amplia-escopo-da-avaliacao/

Aos poucos, um passo de cada vez, o Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, a dupla MEC/Inep, têm trabalhado para dar maior peso ao Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) não só para as instituições de ensino superior, mas também para os concluintes dos cursos universitários.

Afinal, desde que foi lançado como um dos instrumentos avaliativos do Sistema de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) o Enade foi, durante anos, objeto de contestação e de boicote por muitos estudantes, que compareciam à prova mas a entregavam em branco ou não levavam o exame a sério. Em geral, o que justificava o boicote era a contestação à avaliação externa e mesmo ao processo regulatório criado para medir a qualidade do ensino ofertado pelas instituições.

Como essa postura não trazia maiores consequências aos discentes, eles apenas cumpriam com a obrigatoriedade de comparecer à prova, sem o que não poderiam obter seus diplomas.

Agora, ao menos nas áreas das licenciaturas e da medicina, o estudante passa a ser diretamente interessado em obter um bom desempenho, o que pode resultar em benefícios profissionais.

No caso das licenciaturas, que passaram, desde 2024, a ter avaliações anuais e não mais a cada três anos, a nota do estudante no Enade valerá como um certificado de desempenho para a Prova Nacional Docente. E os resultados da Prova Nacional Docente servirão como uma certificação de suficiência profissional, compondo um banco de dados a ser utilizado por estados e municípios em seus processos de contratação de professores.

Todos os estados brasileiros e mais de mil e cem municípios já aderiram ao novo sistema. A prova poderá ser utilizada tanto como instrumento único para contratação dos formandos como poderá ser combinada com outros instrumentos avaliativos para a escolha dos novos docentes das redes.

“Os municípios não terão mais o custo de gerar uma prova para contratar. Terão os resultados da Prova Nacional Docente disponíveis todos os anos. E aqueles que quiserem complementar a prova teórica com uma avaliação prática vão poder realizá-la já com esse primeiro filtro feito”, opina Alexandre Nicolini, pesquisador e consultor em avaliação da aprendizagem por competências.

“Acho que os municípios vão aderir também por questões jurídicas”, diz Nicolini. Afinal, a organização de editais de concursos e sua posterior realização estão sempre sujeitas a tentativas de impugnação por candidatos que se sentem prejudicados, o que tem potencial de gerar custos adicionais para quem tem estruturas jurídicas menos robustas. Já no caso das provas realizadas pelo Inep, a larga experiência da instituição minimiza muito essa possibilidade.

Origem da ideia

A proposta de um Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente surgiu em 2007, no bojo das ações que o então ministro da Educação, Fernando Haddad, costurou para formarem o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação). Num primeiro momento, a ideia era que a Capes, na então recém-criada Câmara da Educação Básica, se encarregasse de fazer estudos para sua implementação e posterior aplicação pelo Inep.

Houve inicialmente grande rejeição das entidades de professores e, sobretudo, das entidades universitárias que congregavam formadores de professores. A contestação foi desde a inócua discussão sobre o nome – se deveria se chamar prova ou exame – ao protesto pelo fato de que um exame nacional unificado levaria à unificação dos projetos pedagógicos para a formação docente, influindo na liberdade de ensino de professores e instituições.

A proposta foi posta de lado e depois reavivada algumas vezes, como em 2010 e em 2012, em ambas as ocasiões sem força suficiente para ser levada adiante. Sua atual incorporação ao Enade parece, do ponto de vista de gestores, resolver dois problemas de uma só vez: fazer com que os alunos dos 17 cursos de licenciaturas que farão o Enade em outubro de 2025 se empenhem para obter boas notas, o que deve abrir portas para a futura empregabilidade; ter, com isso, uma medida mais realista sobre a formação dos alunos que as universidades estão oferecendo à educação básica do país.

Medicina: olhares controversos

Se não é unanimidade, o Enade das licenciaturas é mais bem aceito que a proposta para os formandos de medicina, o Enamed (Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica), cuja implantação se dará em 2025, com a prova ocorrendo em outubro. O Enamed é um exame específico para a área de medicina e, como no caso das licenciaturas, passa a ser aplicado anualmente.

Os estudantes responderão a 100 questões objetivas, divididas entre sete áreas do exercício profissional: clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia, pediatria, medicina de família e comunidade, saúde mental e saúde coletiva. Esse Enade da medicina também cumprirá a função de seleção para a residência, até agora feita pelo Enare (Exame Nacional de Residência). Quem desejar concorrer a essas vagas fará o Enade, mas deverá pagar uma taxa para o concurso. A participação no Enamed é obrigatória para quem estiver cursando o último ano de medicina e é gratuita.

O Enade ganha, assim, funções adicionais concentradas em uma única prova. Continua a compor as notas para avaliação institucional, mas passa também a ser uma prova de suficiência profissional. “O Inep irá verificar se os alunos estão aptos ao exercício da profissão tendo como parâmetro avaliativo as diretrizes curriculares nacionais na área da medicina”, diz o consultor Nicolini. A avaliação será aplicada conjuntamente com a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Em sua visão, o Conselho Federal de Medicina e quaisquer outros conselhos profissionais têm a prerrogativa de dizer se a pessoa pode ou não exercer determinado ofício, mas não de avaliar a proficiência do curso, tarefa que responde a concepções educacionais.

Esta, porém, não é a visão do Conselho Federal de Medicina, que há tempos acalenta o projeto de uma “OAB dos médicos”, como tem sido chamada informalmente a ideia de instituir um exame de ingresso na carreira nos mesmos moldes da Ordem dos Advogados do Brasil, que conseguiu garantia constitucional para aplicação de sua prova.

Tramita atualmente no Congresso Nacional um projeto de lei (PL 2294/2024), proposto pelo senador e ex-astronauta Marcos Pontes (PL/SP), que prevê a instituição de um Exame Nacional de Proficiência em Medicina, que seria obrigatório para a inscrição nos conselhos de medicina e exercício da profissão.

A proposta é fortemente repudiada pelo Semesp, representante das entidades de ensino superior privado brasileiras. Em nota distribuída no mês de maio, a entidade lista uma série de questões para se opor ao projeto. Em primeiro lugar, avalia que a medida seria redundante, numa sobreposição inadequada ao Enade, Enare (agora fundidos no Enamed) e Revalida, avaliações já em curso. Aponta ainda que o novo exame poderia significar um desvirtuamento pedagógico, com mudanças curriculares em função do exame, e apresentaria um viés corporativista e de restrição do acesso à profissão, assim como de incentivo à criação de cursinhos especializados, tal como ocorre no direito.

O Semesp argumenta ainda que, à medida que o acesso à profissão seja restringido, isso pode significar piora no atendimento público, por falta de profissionais. E que a iniciativa representa uma invasão de competências profissionais, pois caberia ao CFM fiscalizar o exercício da profissão, e não “substituir o papel pedagógico das IES ou a responsabilidade avaliativa do Estado”. Esta última ancorada na experiência de décadas do Inep na educação brasileira.

Há, porém, quem defenda que o Revalida poderia, uma vez estendido aos formandos de universidades brasileiras, satisfazer também o anseio do CFM. É o caso de Danilo Dupas, ex-secretário da Seres (Secretaria de Regulação do Ensino Superior) e ex-presidente do Inep durante o governo Bolsonaro. Criado em 2011, o Revalida é o exame voltado a estrangeiros residentes no Brasil e a brasileiros que cursaram medicina no exterior para que possam validar seus diplomas no país.

Ganhou notoriedade a partir de dois fenômenos ocorridos nos primeiros anos deste século: brasileiros que foram cursar medicina em países latino-americanos, com destaque para Paraguai, Bolívia, Cuba e Argentina (os quatro com maior número de inscritos no último Revalida, em 2025) e a vinda dos médicos cubanos a partir da instituição do programa Mais Médicos em 2013.

“A taxa de aprovação era baixa, em torno de 4%. Sofríamos muita pressão para abaixar a régua. Muitos não passavam na primeira fase, quando avaliávamos conhecimentos das áreas fundamentais da medicina”, relembra Dupas.

Para ele, no entanto, o diferencial, durante sua gestão, era a segunda fase, com a prova simulada de condutas médicas, contendo 10 ações práticas. Houve, porém, um número alto de ações na Justiça em função da etapa. E, para o atual cenário, fica difícil imaginar como operacionalizar provas práticas para o contingente esperado para o Enamed 2025: devem ser mais de 42 mil formandos em medicina, além de um potencial de outros mais de 50 mil postulantes à residência médica.

Para Caio Andrade, diretor-geral da Faculdade Santa Casa de Salvador, entre não ter nada e ter o exame da “ordem dos médicos”, melhor tê-lo. Mas isso estaria longe do ideal. “Esse tipo de exame avalia o indivíduo, não a instituição. O melhor caminho é avaliar anualmente, com mais profundidade e já sinalizando para o aluno o que a faculdade oferta. É uma justiça antecipada”, defende o gestor.

Andrade se diz assustado com a substituição do comportamento formativo nos últimos anos, que abriu lugar a uma visão preponderante do lucro. “São muitas instituições formando médicos sem um acompanhamento voltado à prática, o que gera uma lacuna formativa.”

O gestor defende medidas que poderiam, inclusive, ajudar na melhoria da oferta no interior do Brasil. “Os bolsistas de Fies e ProUni deveriam, como contrapartida, atuar no interior. Isso melhoraria a formação deles e o atendimento à população.”
 

Rua 217, nº 180 Qd. 44 Lt. 10 Setor Leste Universitário Goiânia – Goiás CEP: 74603-090 (62)3225-1472
Interagi Tecnologia