Só educação não dá conta de reduzir desigualdade, dizem especialistas

08/06/2015 16:05

Só educação não dá conta de reduzir desigualdade, dizem especialistas

A educação sempre aparece como remédio para os males do Brasil, principalmente a desigualdade social. Sem negar que mais anos de estudo melhoram a vida da população, especialistas começam, porém, a relativizar essa verdade absoluta.

`É interessante para a elite e para o governo tratar a educação como uma panaceia, porque se estabelece uma situação de inércia social. Um segmento que tem crescido muito é o de pessoas com ensino superior, que hoje supera 15% dos jovens, mas a desigualdade interna desse grupo é tremenda`, diz o economista Alexandre Barbosa, professor do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) da USP. Para ele, a desigualdade no Brasil é estrutural e não será solucionada exclusivamente com mais investimentos em educação.

Barbosa mostra que a diferença de renda média do trabalho entre brasileiros com ensino médio e com ensino superior caiu de R$ 1.969,47 em 1995 para R$ 1.741,41 em 2009.

A redução dessa diferença, que começa a aparecer no Brasil, é uma realidade nos países desenvolvidos. Dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostram que, nos países onde há mais cidadãos com ensino superior, é menor a diferença de salário entre trabalhadores mais e menos qualificados, o que contribui para diminuir o abismo entre ricos e pobres.

Alguns economistas explicam a desigualdade no Brasil justamente por essa escassez de trabalhadores qualificados, que não preenchem a demanda por mão de obra especializada e, portanto, têm baixos salários.

Barbosa diz que essa teoria ignora o outro lado: a `sobrescolarização`. `Criou-se uma porção de universidades de fundo de quintal. O mercado não precisa dessa mão de obra, e o estudante vira atendente de lanchonete.`

Na Coreia do Sul, considerada um modelo de ensino, onde 67% da população tem diploma universitário (o maior nível entre os países da OCDE), a desigualdade de renda é elevada: os 10% mais ricos recebem 10,1 vezes mais que os 10% mais pobres. `Chegamos a uma situação de estagnação. Todos são bem-educados e têm a expectativa de conseguir bons empregos. Mas o número de oportunidades para pessoas com esse nível de educação não está crescendo`, diz o jornalista sul-coreano Se-Woong Koo, ex-professor da Universidade Stanford.

Um estudo americano comandado pelo professor de Harvard Lawrence Summers simulou uma situação em que parcela considerável da sociedade dos Estados Unidos passava a ter diploma superior para medir o efeito do aumento da educação sobre a desigualdade.

A conclusão é de que o impacto da expansão do número de graduados não seria relevante sobre a distribuição da renda --o índice de Gini, medida da desigualdade social, cairia apenas de 0,57 para 0,55.

O economista Ricardo Paes de Barros, que desenvolveu diversos estudos sobre desigualdade e educação no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirma que quase 40% da diferença na remuneração de trabalhadores vêm do fato de eles terem níveis educacionais diferentes. `Mas oferecer ensino de qualidade para todos não resolveria a desigualdade gerada pelos lucros advindos do capital`, afirma.

SALA DE AULA

Educadores também não veem o acesso à escola como garantia de redução da desigualdade, já que a pior escolarização dos mais pobres--que não estudam línguas, por exemplo-- pesa na hora de conseguir bons empregos.

`O pobre chegou à universidade via políticas públicas, mas, mesmo com notas próximas às do aluno pagante e com o mesmo diploma, há entre eles uma diferença de capital cultural que faz falta no mercado`, diz Leda Rodrigues, professora de pedagogia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.

A semente da desigualdade entre alunos de classes sociais diferentes na universidade está nos primeiros anos escolares. `Desde o ensino básico, crianças pobres saem da escola com uma defasagem em relação às da elite porque não é só a escola que faz a aprendizagem. Elas já não têm em casa o capital cultural que vem da família`, diz Rodrigues.

O professor Romualdo de Oliveira, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, defende que a educação básica tem potencial para equalizar a diferença de capital cultural entre crianças de origens díspares, desde que o governo tenha políticas focadas em grupos vulneráveis coordenadas com outras frentes de ataque à desigualdade de renda. `No atacado, o sistema hoje ou é neutro ou acentua a desigualdade de origem. Ele não vai combatê-la se não tem elementos para garantir educação de qualidade para todos e principalmente para os mais pobres`, diz Oliveira.

De fato, uma pesquisa do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ação Comunitária) comprova que crianças com o mesmo capital cultural, em escolas cujo entorno é mais vulnerável, como as de periferia de grandes cidades, apresentam menor rendimento.

`O impacto da vulnerabilidade do território no desempenho escolar do aluno pode gerar desigualdade`, afirma Vanda Ribeiro, autora do estudo.

Paes de Barros defende que o governo federal invista para reduzir a diferença de gasto por aluno entre estados e municípios com mais e menos recursos. `Por que a gente padronizou o serviço bancário pelo país e não a educação? É preciso dar a todas as escolas a mesma infraestrutura`.

CAROLINA LINHARES / PHILIPPE SCERB - UOL Educação - 08/06/2015 - São Paulo, SP

 

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