Internet para alunos da rede pública custaria o mesmo que perdão a igrejas

22/03/2021 17:45

Internet para alunos da rede pública custaria o mesmo que perdão a igrejas

EXAME • 22 de março de 2021

Fonte da Notícia: EXAME
Data da Publicação original: 21/03/2021
Publicado Originalmente em: https://exame.com/brasil/internet-para-alunos-da-rede-publica-custaria-o-mesmo-que-perdao-a-igrejas/


Um ano após o começo da pandemia, o problema da falta de internet a alunos pobres no Brasil ainda não começou a ser endereçado nacionalmente. O debate ganhou novo capítulo nesta sexta-feira, 19, quando o presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente um projeto de lei aprovado pelo Congresso que custearia serviços de internet a parte dos estudantes das escolas públicas.

O veto pegou de surpresa os deputados envolvidos no PL e os secretários de educação, segundo fontes ouvidas pela EXAME. Apresentado em junho de 2020, o PL é de autoria do deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), junto a um grupo de mais de 20 deputados. O texto foi aprovado no fim do ano na Câmara e em fevereiro no Senado, já sob direção do presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O custo estimado do PL é de 3,5 bilhões de reais, suficiente para atender 18,6 milhões de alunos (todos os alunos no CadÚnico) e cerca de 1,6 milhão de professores da rede pública. Com o valor previsto, os beneficiários seriam contemplados com pacotes de internet móvel por seis meses. Para os 3,5 milhões de alunos do ensino médio seria incluída ainda a aquisição de tablets.

O projeto incluiu também medidas para possibilitar doações de empresas privadas, reduzindo a insegurança jurídica, segundo os autores.

Os motivos do veto presidencial, embasados pelos ministérios da Educação (MEC) e da Economia, são sobretudo dois: por parte da Economia, a questão fiscal, citando a regra de ouro e a Lei de Responsabilidade Fiscal; pelo lado da Educação, o fato de que o MEC, segundo o texto do veto, estuda fazer programa semelhante no futuro, que batizará de Programa Brasil de Aprendizagem.

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP), relatora do projeto na Câmara, diz que o veto soa como uma "piada de mal gosto". "Eu tenho muita dificuldade para apontar o que o MEC fez nesse último ano. O ministro [Milton Ribeiro] já se pronunciou várias vezes dizendo que não era papel dele coordenar os esforços na pandemia. E agora, depois de um ano, ele diz que vai 'começar' a pensar em um projeto?", diz.

A relatora afirma que o PL da Câmara tramitou por quase um ano, e, neste período, o MEC não apresentou medidas próprias.

Questionado pela reportagem sobre o prazo de implementação do citado Programa Brasil de Aprendizagem, o MEC não se posicionou até a publicação desta reportagem. Em nota posterior, nesta segunda-feira, 22, a pasta esclareceu que o programa "está em fase de desenvolvimento" e que, "tão logo seja lançado, poderão ser esclarecidas dúvidas sobre sua abrangência e funcionamento". O MEC disse também que o objetivo do PL de levar internet aos alunos é "meritório", mas tem problemas para execução.

Prioridades questionadas

Além de um futuro projeto a ser criado pelo MEC, o governo aponta no veto que já há programas federais de conectividade, citando dois projetos de banda larga apresentados nas gestões Lula e Temer. Ambos, no entanto, têm como foco fornecimento de internet às escolas, num contexto pré-pandemia, mas não equacionam o cenário da quarentena, em que os alunos acessam as aulas em casa.

Nas redes sociais, críticos têm feito desde a sexta-feira comparações frequentes do veto com outras medidas recentes do governo, como o perdão à dívida de igrejas, na semana passada. A medida custará estimados 1,4 bilhão aos cofres públicos até 2024, o que pagaria todo o custo de internet aos alunos no PL (ou cerca de 40% do valor total do projeto, se incluídos os tablets, como mostra o gráfico abaixo).

Com outra medida recente, a isenção de impostos de importação para armas, o Executivo abriu mão de arrecadar montante que pode chegar a 1 bilhão de reais nos mesmos quatro anos.

Embora os projetos não sejam necessariamente comparáveis (o PL de internet seria pontual, válido somente para os próximos 12 meses), o simbolismo não pegou bem. Durante a pandemia, o MEC tem sido criticado pela ausência de iniciativas em meio à crise educacional.

O Consed, grupo dos dirigentes de educação estaduais, se reuniu neste mês com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, antes do veto ao PL, para pedir soluções à conectividade dos alunos. Vitor de Angelo, que é presidente do Consed e secretário de Educação do Espírito Santo, diz ter sido bem recebido pelo ministro, mas classificou o veto à iniciativa do Congresso como "frustrante".

"O governo é rápido pra fazer muitas coisas, mas não tem a mesma celeridade e o mesmo empenho pra fazer outras, que não há dúvidas que são também extremamente importantes", diz. "Faltou sensibilidade para compreender a urgência."
 

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