A educação passa por um grande momento de ruptura

01/03/2021 16:14

A educação passa por um grande momento de ruptura
ISTO É DINHEIRO • 01 de março de 2021

Fonte da Notícia: ISTO É DINHEIRO
Data da Publicação original: 26/02/2021
Publicado Originalmente em: https://www.istoedinheiro.com.br/a-educacao-passa-por-um-grande-momento-de-ruptura/#.YDuhw7r2E2E.whatsapp


O Ensino a Distância já vinha crescendo com intensidade no Brasil bem antes de as aulas presenciais precisarem ser substituídas pelas lives. Com as medidas de isolamento social adotadas como forma de controle da pandemia, o ano de 2020 tornou a migração ainda mais veloz. O que era previsto para ocorrer em quatro anos se dará em apenas dois. A avaliação é do empresário Jânyo Diniz, CEO do grupo Ser Educacional, um dos maiores do setor no País e que aportou no ano passado R$ 504 milhões em quatro aquisições (Facimed e Unesc, em Rondônia; Unijuazeiro, no Ceará; e Unifasb, na Bahia). Nesta entrevista, ele faz um balanço do que considera ser um dos momentos de maior ruptura na educação.

DINHEIRO – Como a pandemia impactou o segmento educacional no Brasil?
JÂNYO DINIZ – Fomos uma das primeiras instituições a parar as aulas presenciais e mudar para o regime remoto. O fato é que ninguém estava preparado para uma mudança tão brusca. A gente estava preparado para uma mudança de modelo em função do que vínhamos fazendo nos últimos anos. Começamos há mais de três anos o processo de transformação digital da companhia, focando muito mais no uso intensivo de tecnologia e isso foi muito importante nesse momento. Quando fizemos a mudança, um pouco antes de nossos concorrentes, tomamos a decisão pensando que a parada poderia ser de 20 dias, no máximo. Como cada governo toma uma decisão diferente, isso nos ensinou a ser mais resilientes e a gente começou a entender que a mudança seria para 2021. Para a educação no Brasil, antecipou-se uma série de ações que a gente esperava que ocorresse em até cinco anos. A educação está passando por um dos maiores momentos de ruptura. O ensino não mudava desde sua concepção, com professor na frente e os alunos ouvindo. O modelo passou a ser diferente.

O que mudou?
Professores e alunos passaram a ficar lado a lado. A gente mudou para o modelo que manteve as mesmas características, mas com cada um na sua casa. Para o setor, houve transformação significativa com avanços previstos para alguns anos e que ocorreram em semanas. O desenvolvimento digital foi muito antecipado. Tenho uma filha de 8 anos que assistia a vídeos do Youtube de uma criança de 6 anos que ensinava a fazer slime (uma espécie de massinha gelatinosa). Na prática, ela teve aula on-line com uma professora criança, num vídeo de 5 minutos, e fez uma experiência química complexa na mesa de casa, algo que não estávamos acostumados a ver. A gente antecipou tudo isso. Havia alguma rejeição no ensino a distância, principalmente dos pais.

O ensino a distância de hoje é o mesmo do que era no passado?
Não. Em sua maioria, ele era feito para mulheres, com faixa etária perto de 30 anos, que não trabalhavam, ou homens que buscavam uma segunda profissão. De repente todo mundo se viu trabalhando em casa, com o filho do lado assistindo às aulas. O nosso modelo passou a ser remoto e digital. Esperávamos que o EAD atingisse 50% da base de alunos no Brasil em quatro anos e isso deve ser antecipado para dois anos. Todo mundo já matricula hoje mais EAD do que presencial. E isso está mudando completamente o modelo de ensino. O uso de tecnologia passa a ser muito maior e a gente começa a ver que, em alguns pontos, o EAD começa a ser tão bom ou melhor do que o modelo puramente presencial. No caso do grupo Ser, a gente sabe que o ensino nunca mais vai ser 100% presencial. Ele vai ser híbrido ou digital.

E o que se espera hoje para esse formato?
O modelo remoto acaba se misturando. A gente caminha para ter uma sala absolutamente conectada, em um modelo de educação mais focado no aprendizado e não no ensino. O ensino a distância tem muito mais conteúdo que o presencial. Na minha época, o professor colocava uma pasta embaixo do braço, chegava na sala de aula e passava o conteúdo. No EAD, o aluno sabe o que e como vai estudar, tem conteúdo disponível, porque o modelo passa a ser integrado. A trilha de aprendizado é individual, diferentemente do presencial, quando o professor nivela pela média. Quando colocamos conteúdos digitais e usamos a inteligência artificial para isso, o sistema entende a velocidade e acelera o nível.

O que isso mudou nos negócios do grupo?
Transformamos em EAD marcas que eram puramente presenciais. A Uninabuco (de Pernambuco) deixou de ser presencial e transferimos alunos para outras marcas do grupo. Lançamos cursos de 18 meses com conteúdo específico e voltado às necessidades do mercado de trabalho. Tínhamos, na Uninabuco, 4 mil no presencial e hoje temos muito mais no formato on-line. Levamos seis anos para atingir esses números. No EAD, foram seis meses.

E em relação ao formato dos cursos?
Mudamos o modelo para atender a juventude que está carente por produtos que atendam suas necessidades de flexibilidade. Antes, não fazia sentido colocar um professor para dar aula para dois alunos. Não se sustentava. Hoje, com o ensino híbrido, é possível fazer isso. Há um erro comum em pensar que a educação a distância é uma aula em vídeo e um livro. Não é isso. Hoje há gamificação, vídeos, textos, exercícios, e a possibilidade de avanços quando o aluno cumpre as lições pré-determinadas. Não é como no Telecurso Segundo Grau. Hoje ninguém assiste a cinco minutos de vídeo se ele não for interessante. Houve uma convergência no ensino como nunca se esperava na história.

Como responder a quem dizia, no início das aulas on-line, que o preço deveria cair?
A margem individual do ensino a distância é maior do que do presencial. É possível diluir o custo com o crescimento da base de alunos. No presencial, continuamos com os prédios, materiais, professores e demais funcionários. Não houve redução de custo significativo. O presencial continua com uma estrutura de custo muito parecida e com uma receita diferente, porque a competição aumentou. O ensino superior passou a sofrer por causa da alta do desemprego e houve aumento de pressão do preço para captar alunos. Não é mais possível dar desconto.

A receita do grupo nos nove primeiros meses do ano passado foi quase a mesma de 2019, em torno de R$ 920 milhões, mas o lucro caiu 43%. Por quê?
Minha estrutura de custo teve de ser adaptada para atender à nova necessidade. Eu tive de diluir minha receita para uma base de alunos maior. Se eu tivesse toda essa receita em uma única unidade, seria ótimo. Mas isso foi distribuído para unidades maiores, com mais professores e mais estrutura. Tive de investir mais.

A pandemia aumentou a distância entre o ensino público e privado?
Acredito que sim, tanto no básico quanto no superior. As escolas públicas básicas brasileiras não estavam preparadas para fazer uma mudança tão rápida como essa. Não tinham tecnologia nem infraestrutura e não fazia muita diferença para a escola se o aluno estivesse reclamando, porque ele não pagaria mensalidade. No caso do ensino superior, uma parcela significativa da rede pública não migrou diretamente para o on-line, como no privado. As escolas e universidades privadas foram obrigadas a se adaptar para atender o cliente. Quem não fez isso, fechou. Em Pernambuco, 200 escolas fecharam por não conseguir atender a essa demanda.

Essa não deveria ser uma responsabilidade do governo federal?
A responsabilidade é sim do governo. Deveriam ter sido mais rápidos. No fim, acabaram oferecendo, mas não na mesma velocidade. Se não houver uma ampla discussão para diminuir essa distância, será muito ruim. Os recursos privados são muito melhor aplicados do que os públicos. Depende também da dedicação pessoal para o avanço no ensino, mas com uma estrutura de apoio adequada.

Alunos sem internet e com dificuldade para assistir às aulas confirmam isso…
Sim. Mas no nosso grupo temos um polo EAD em uma cidade chamada Cruzeiro do Sul, no Acre, onde há índios que não têm internet. A cada 15 dias, vão ao polo, baixam o conteúdo e levam para fazer as aulas. Há alternativas tecnológicas.

O grupo Ser Educacional fez quatro aquisições no ano passado. Com qual objetivo?
A Facimed e a Unesc, em Rondônia, têm cursos de Medicina, assim como a Unifasb, na Bahia. Também adquirimos a Unijuazeiro, no Ceará. São relativamente pequenas em termos de base de alunos, mas agregam marcas fortes e reconhecidas na região onde atuam. No caso de Medicina, é um curso resiliente a qualquer tipo de crise no Brasil.

O Enem deveria ter sido cancelado?
Dois aspectos devem considerados: o sanitário e o impacto na vida dos alunos. As instituições públicas usam o Enem para captar alunos. As privadas, para ProUni e Fies, por meio do Ministério da Educação. Sem o Enem, deixaríamos de fora uma massa significativa de alunos. Seriam pelo menos 2 milhões que terminam o ensino médio. Mas se inscrevem 6 milhões, o que significa que muitos refazem o Enem para melhorar a nota e poder entrar numa instituição pública.

E do ponto de vista sanitário?
Talvez fizesse sentido o cancelamento, mas isso representaria a espera de um ano para esses alunos. Aquele que não pode ir para escola pega um ônibus lotado para ir trabalhar. O que foi fazer a prova do Enem cumpriu as regras de distanciamento. Hoje, a gente vê aglomeração em bares e nas praias. Se um aluno pegar Covid-19 tomando água de coco na praia, o vendedor não será responsabilizado. Se ele pegar e vier para faculdade, a instituição pode fechar. São dois pesos e duas medidas. Se as pessoas respeitassem as regras, faria todo sentido ficar tudo fechado, mas não é o que vemos.

As escolas estavam prontas para a volta às aulas nesse formato híbrido?
A escola é um ambiente controlado e tem fiscalização. Dessa forma, acho possível o retorno. Fato é que algumas instituições estão com medo de serem responsabilizadas mesmo que a contaminação não ocorra na escola.
 

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