Mercado Ousado dos diplomas

27/02/2018 14:02

Mercado Ousado dos diplomas


Comércio de certificados é comum na internet e dá dos de cabeça a entidades classistas. Valores variam conforme demanda.

O mercado de venda de diplomas de ensino superior chegou a um nível impressionante de ousadia. Comprar um diploma pela internet, recebê-lo em casa pelos Correios sem nunca ter pisado em uma faculdade, embora seja crime, tornou-se um procedimento fácil e escancarado na rede. A reportagem do POPILAR estabeleceu contato com vendedores que anunciam o serviço em sites encontrados pelos mecanismos de busca. Eles prometem agilidade e veracidade da documentação, adotando quase sempre o mesmo método, com participação de funcionários das instituições de ensino (veja quadro). Diplomas de Engenharia, Direito, Psicologia e Enfermagem são alguns dos exemplos encontrados, com valores que variam conforme o pacote contratado.
O crime é praticado não só por quem vende, mas também por quem compra. Nos últimos anos, alguns casos de utilização de diplomas falsos vieram à tona. O mais recente, que surgiu no âmbito da investigação que apurou a fraude no concurso de delegado realizado pelo governo do Estado, foi exposto no ano passado, quando delegados da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública (Dercap) descobriram que, entre os fraudadores, estavam um açougueiro e um contador. Eles apareceram entre os primeiros colocados do certame e, conforme o acertado, compraram não só a vaga, mas também o diploma de bacharel em Direito.
As conversas registradas pelo POPULAR foram feitas por e-mail e começaram em dezembro do ano passado. Na primeira resposta obtida, o vendedor enviou um texto padrão, respondendo as duvidas e questões expostas na mensagem escrita na caixa de texto do próprio site onde estava o anuncio. Ele "trabalha" com diplomas de curso superior, mas de Ensino à Distancia (EAD). Na mensagem de volta, a reportagem simulou a situação de uma pessoa que pretendia utilizar o diploma para prestar concursos e que estava preocupada quanto à veracidade dos documentos. A resposta obtida foi: "Toda documentação que disponibilizamos aos nossos clientes é obtida através de instituições credenciadas com o MEC e publicadas no Diário Oficial da União".
Os criminosos fazem questão de citar o nome do Ministério da Educação como forma de dar credibilidade ao processo de negociação. As instituições de ensino de onde saem os diplomas, de fato, são reconhecidas pelo MEC, mas, em resposta à reportagem, via assessoria de comunicação, o Ministério esclareceu que não é o responsável por reconhecer os diplomas, e que quem se encarrega disso são as faculdades e universidades. E enfatizou, ainda, que o trabalho de investigação e averiguação dessas irregularidades não é sua responsabilidade, mas que, conforme a legislação prevê, deve ser feito pelas polícias, Ministério Público e, posteriormente, com punição da Justiça.

"SERIEDADE"

No dia 19 de dezembro, em uma outra conversa, após trocas de mensagens em dias anteriores, a reportagem tentou obter da vendedora de diplomas informações sobre quais instituições em goiás ela mantinha contato E se era possível escolher a origem da documentação, optando não só pelo curso, mas também pela faculdade ou universidade de melhor renome. Além de não informar os nomes, alegando que isto é regra do procedimento e que "não há negociação com relação às estas regras", a fim de preservar a segurança das partes envolvidas, ela ainda fez uso de expressões controversas para tranquilizar o cliente, como: "desenvolvemos um trabalho com seriedade" e "não nos parece interessante dar golpes, pois temos uma reputação no mercado e não podemos perdê-la".
A reportagem chegou a essa pessoa por indicação de um outro vendedor. Ao perguntar se ele teria diploma de Direito para vender, ele respondeu que o estoque tinha acabado, mas que a professora Kelly teria. Um dia depois de receber o e-mail da reportagem, ela respondeu com uma mensagem padrão, esmiuçando todo o processo de venda e contratação do serviço, com destaque para as regras, valores e os produtos comprados, já que não seria apenas o diploma. O texto já começa com a frase "Diplomas Registrados em até 30 dias", seguida da informação de que ela trabalha com todos os cursos superiores, tornando-a uma vendedora diferenciada no mercado.

Sem cursos de saúde

Durante a pesquisa em sites de anúncio, a reportagem verificou que alguns vendedores deixam claro não trabalhar com cursos da área de Saúde. Em um dos casos, a pessoa chegou a colocar em destaque: "Não insista!", indicando que a procura deve ser grande. Em julho do ano passado, por exemplo, a Polícia Federal (PF) deflagrou a operação Diploma Fácil, que desarticulou um esquema de venda de diplomas de Medicina. O valor pago pelo documento chegava a ser de R$ 140 mil. O líder da quadrilha era goiano, natural de Acreúna, a 153 quilômetros de Goiânia e que morava no Paraguai, onde cursava Medicina. O crime foi descoberto depois que o grupo tentou burlar os registros dos conselhos regionais da categoria em Goiás, Sergipe e Bahia.
A venda e oferta de diplomas não se restringe à graduação. um dos vendedores com o qual a reportagem conversou destacou na mensagem que também trabalha com documentos que atestam o término de pós-graduação, mestrado e até doutorado.
Em 2017, por exemplo, o Ministério Público Federal em Goiás (MPF_GO) chegou a denunciar por estelionato um ex-professor de Economia da Universidade Federal de Goiás (UFG) que obteve vantagem salarial apresentando um diploma falso de conclusão do doutorado.
 
Veracidade "comprovada"

Em uma das conversas registradas pelo POPULAR com mercadores de diplomas, a reportagem recebeu, depois de expressar propositalmente o desconforto em fechar o negócio sem maiores garantias, um e-mail com 42 anexos de diplomas - frente e verso para demonstrar os carimbos, assinaturas e o reconhecimento da instituição9 de ensino, de históricos escolares, carteirinhas de registro estudantil e certificados de conclusão de curso. A ideia da vendedora era mostrar, com isso, os modelos e a veracidade dos diplomas vendidos por ela. Os nomes das pessoas que teriam adquirido esses documentos não foram preservados e, em apuração nas redes sociais e em site de busca, a reportagem verificou que, de fato, são profissionais que atuam respectivas áreas citadas nos certificados.
Entre os documentos, constam diplomas dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, Enfermagem, Engenharia Elétrica, Engenharia Civil e Pedagogia. As instituições são todas privadas. Alguns dos profissionais, inclusive, possuem currículo lates na internet, com informações que dão conta da realização de pós-graduações e até mestrados. Os delegados da Delegacia Estadual de Investigações de Criminais (Deic) ponderam que os documentos podem ser procedentes e que a vendedora enviou de proposito para enganar a reportagem. Poe outro lado, o titular da unidade, delegado Valdemir Pereira da Silva, frisa que a investigação é delicada, porque os vendedores utilizam perfis falsos. "Na internet, hoje, encontra-se de tudo", diz.

Associação condena comercialização livre

Diante das facilidades que a internet oferece, possibilitando inclusive a prática de atividades ilícitas como a venda de diplomas de curso superior, já que permite o anonimato quando conveniente, a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) reforça a postura de não compactuar com ações do tipo. O assessor jurídico da instituição, Bruno Coimbra, respondeu ao POPULAR que a emissão de diplomas, hoje, é um dos aspectos mais regulamentados pela legislação que rege a educação superior no Brasil, justamente para tentar conter as tentativas de fraude.
"Para se ter ideia, a maior parte das faculdade, 83,25% das instituições de educação superior do país, não pode registrar diplomas, direito concedido recentemente apenas àquelas que obtiveram nota máxima (5) nas duas últimas avaliações do Ministério da Educação (MEC). Fora isso, a prerrogativa de registro de diplomas é exclusiva das instituições que possuem atribuições de autonomia, ou seja, universidades, institutos federais, centros federais de educação tecnológica e centros universitário", explica Bruno. O assessor jurídico pondera, no entanto, que, se apesar de toda essa regulamentação, tanto a falsificação quanto a venda de diplomas continuam sendo praticadas, é preciso aprimorar os mecanismos de combate.
Em relação à informação de que a maioria das instituições de ensino que dão origem aos diplomas vendidos no Brasil é particular, ele defende que esse é um procedimento com qual setor privado de educação superior não compactua. “São ações criminosas que vão contra tudo o que acreditamos ser à base da nação forte, soberana e justa que tanto almejamos”, afirma. Nas mensagens tocadas pela reportagem do POPULAR com vendedores de diplomas e, conforme os documentos enviados por eles, ficou claro que as faculdades envolvidas são quase todas particulares.
O Censo da Educação Superior de 2016, divulgado pelo MEC no ano passado, mostrou que existem no Brasil 34.366 cursos de graduação e 2.407 instituições de educação superior.

64 tentativas de registros com documento falso

No dia a dia dos conselhos de classe, não é raro surgirem casos de pessoas que tentam obter o registro profissional apresentando documentação suspeita. só no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO), o departamento de registros contabilizou, entre 2015 e 2018, 64 situações em que os interessados apresentaram diplomas sem procedência. Nos conselhos de Enfermagem (Coren-GO) e Psicologia da 9ª Região (CRP-09), também já houve casos registrados e, só no ano passado, o Conselho Regional de Farmácia de Goiás (CRF-GO) foi alvo de sete tentativas de regularização profissional com uso de diploma falso.
Os casos são mais comuns do que se imagina e o procedimento em todos eles é o mesmo. Além de abrir processos internos, os conselhos notificaram a Polícia Federal (PF) e fazem a denúncia do fato. Diante da recorrência, o Crea-GO chegou a realizar campanha de conscientização nas universidades e nas escolas técnicas para alertar que essa prática (uso de documento falso) é prevista com o crime no Código Penal
. "a maioria dos casos que chegaram aqui foi com diplomas de instituições de Goiás. Existe em casos de fora, claro, mas cerca de 70% foram com diplomas de instituições do Estado", conta a gestora do Departamento de Registros do Crea-GO, Kristinne Rodrigues.
Numa das situações, cinco pessoas tentaram obter o registo apresentando diplomas de conclusão do curso de Engenharia de uma instituição do interior do Estado. Ao consultar a faculdade para averiguar a veracidade dos documentos, o Crea-GO foi informado de que de que eles eram improcedentes. "A responsável ficou surpresa e indignada com caso. Ela disse que suspeitava de um funcionário e fez à denúncia a polícia. Se não fosse ação do Crea, ela não teria descoberto a prática que vinha ocorrendo lá dentro", aponta Kristinne. Diante de tantas tentativas, o Conselho ampliou o tempo de análise dos documentos e da emissão do registo de 15 para 30 dias.
Assim como o Crea-GO, o CRP-09, o Coren-GO e o CRF-GO realizam procedimentos semelhantes de análise dos diplomas. Todo e qualquer certificado tem a veracidade conferida diretamente com as respectivas instituições de ensino. O Conselho de Psicologia consulta ainda o credenciamento da faculdade para saber se ela tem autorização do Ministério de Educação (MEC) para oferecer o curso. Nós últimos anos, CRP-09 tem detectado, em Goiás, o aumento de pessoas que fazem cursos irregulares, oferecidos como "semi-presenciais", "livres" ou de extensão que prometem diploma ao final de cinco anos, sendo que o estudante frequenta aulas apenas aos finais de semana.
Em relação aos alunos, o CRP orienta que eles devem procurar as autoridades para averiguar infrações ao Código de Defesa do Consumidor ou demais legislações, inclusive a Penal. Já em relação aos psicólogos professores, o Conselho informa que tal prática configura falta ética, pois colaboram com o exercício ilegal da profissão.

Polícia investiga venda de certificado de Direito

A venda de diplomas de direito para candidatos do concurso de delegado em Goiás, fraudado por uma quadrilha que contava com a participação de um ex-funcionário da banca responsável pela realização do certame - Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) - está sendo investigada pelas Polícias Civil do Distrito Federal e de Goiás.  A divisão fez-se necessária, porque existe a suspeita de envolvimento de instituições de ensino de Brasília e de Goiânia. No caso da capital, o delegado adjunto da delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra Administração Pública (Decarp), Rômulo Figueiredo de Matos, adianta que o diploma vendido é “quente”, ou seja, é validado pela instituição e feito para dificultar qualquer suspeita de falsificação.
Os fatos sugiram no âmbito da operação Portas Fechadas, que apurou esquema de fraude do concurso e culminou na prisão da organização criminosa no ano passado. Em alguns casos, os candidatos não tinham faculdade de Direito requisito obrigatório para tomar posse no cargo. Além da vaga, eles teriam fechado negócio para comprar também o diploma de bacharel e apresentarem como legítimos. A organização criou uma estrutura que conseguia não só fraudar o concurso garantindo aprovação dos interessados, mas também uma rede de contatos que permitia a obtenção irregular dos certificados.
Os casos específicos ligados à instituição do DF foram repassados e informados ao delegado Adriano Valente, diretor da Divisão de Repressão ao Crime Organizado (Draco) da Polícia Civil do Distrito Federal. Em resposta ao POPULAR, ele informou que já foram realizadas diversas oitivas de suspeitos e que outros casos de vendas de diplomas também estão sendo investigados, razão pela qual ainda não pode falar com maiores detalhes. Até o momento, a organização composta por 10 membros e presa durante a deflagração das operações já foi denunciada pelos crimes de organização criminosa, fraude a certame de interesse público e falsificação de documento público. Eles permanecem presos preventivamente.
Valente lembrar que, na primeira fase da operação desencadeada em Brasília, o proprietário de um Instituto de Ensino especial foi preso preventivamente também denunciado pelos mesmos crimes. A função dele na organização era de justamente fornecer diplomas aos fraudadores. Em Goiás, o delegado Rômulo Figueredo conta que os diplomas eram oferecidos por um valor de 20 mil e que o trâmite era semelhante ao que eu ocorre, em geral, nesse tipo de prática: um funcionário de dentro  da faculdade se encarrega pelo fornecimento do documento e inserção no sistema dos dados do comprador e de um histórico escolar falso para inviabilizar suspeitas.
Em Brasília, nas próximas fases da operação, as medidas serão direcionadas aos candidatos que fraudarem concursos. Já foram identificados, segundo delegado, mais de 100 fraudadores de mais de uma dezena de concursos públicos.

Fonte: Jornal O Popular 25.02.2018
Galtiery Rodrigues
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