A educação pela dor

17/12/2015 10:33

A educação pela dor

O escritor francês Gustave Flaubert, autor da obra-prima Madame Bovary, tem outro romance igualmente clássico, A educação sentimental.

Habitualmente, a educação evoca valores que vão dos hábitos pessoais aos comportamentos e à profissão, passando por capacidade técnica e operacional e outras habilidades. Educação financeira também é uma expressão usada com frequência. Outra vertente prioritária, para a qual nem sempre damos a devida importância, é a educação política. E o Brasil é um terreno fértil nesse campo.

Por sua natureza dominante e envolvente, a política define as bases para o desenvolvimento (ou atraso) de todas as atividades humanas. Por exemplo, a força da política está no centro da crise que opõe a presidente Dilma Rousseff e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, de um lado, e, de outro, a Operação Lava Jato com suas prisões, delações premiadas, condenações. Das alas à esquerda e à direita, quase todos são unânimes em afirmar que a crise política precisa ser resolvida para que o País entre novamente nos trilhos e retome o caminho do desenvolvimento.

No que diz respeito aos cidadãos brasileiros, que são os grandes prejudicados, a tensão provocada pela crise proporciona também uma educação política que, de outra forma, jamais poderia alcançar multidões. Os meios de comunicação de massa (rádio, jornais, televisão, internet, redes socias) repercutem os acontecimentos e assim contribuem para essa forma alternativa e válida de educação. E essa participação justifica, mais uma vez, a necessidade de uma imprensa livre, destituída de controles e mordaças, comprometida com a busca da verdade e da pluralidade de manifestações de opinião e de versão dos fatos.

Independentemente dos lamentáveis crimes de corrupção, erros de cálculos e desmandos nas ações políticas e administrativas, que levaram o País à recessão, é uma boa surpresa a constatação de que nas ruas, nas casas, nos locais de trabalho, as pessoas refletem e procuram desvendar os mistérios que provocam os duelos entre os agentes do Executivo, do Legislativo e do Poder Judiciário. O politiquês farto em expressões como impeachment, delação premiada e rito processual, entre tantos exemplos, entrou para o imaginário popular e faz parte das conversas de pessoas sem especialização nessas matérias.

Se é possível identificar aspectos positivos na crise, esta participação é um deles. E o interesse dos cidadãos não se dá por mero monitoramento de audiência dos impasses no Congresso e das prisões da Lava Jato. Os brasileiros acompanham com toda atenção o desenrolar dos acontecimentos porque sabem que suas vidas e a segurança social de suas famílias têm tudo a ver com os rumos da crise. E essa identificação é um exemplo de educação política de extraordinária relevância.

É como se o Brasil se transformasse em uma imensa universidade política. Cada batalha no Congresso Nacional, cada condenação determinada pelo juiz Sérgio Moro na Lava Jato, cada passo em direção ao Palácio do Planalto, cada imagem do prédio da Polícia Federal em Curitiba, cada manifestação popular nas ruas, tudo isso é revelador de que as instituições funcionam, de um lado, e de que há sempre uma espessa camada de lama que se move e precisa passar por operações de limpeza.

Da mesma forma que o cidadão vai para a escola, aprende uma profissão e se aperfeiçoa para disputar um lugar ao sol no mercado de trabalho, um paralelo pode ser feito com a cidadania: o brasileiro vota nas eleições, vive o cotidiano das cidades, encanta-se ou se decepciona, e essa cultura participativa o leva a formar uma convicção para as próximas eleições. Ele aprende que não basta votar simplesmente, e que sua participação não se restringe ao voto, mas também ao acompanhamento e avaliação dos partidos e agentes políticos. Isto é, a aprendizagem se dá na prática e em ritmo permanente.

E a história do Brasil é rica em lições. Num corte das últimas sete décadas, tivemos o suicídio de Getúlio Vargas, a ditadura militar, a redemocratização com nova Constituição, sucessivos casos de corrupção. A questão é que a aprendizagem habitualmente se dá pela dor. Que seja, já que a história é um fenômeno autônomo, desde que sirva para o amadurecimento político e para a melhoria da sociedade brasileira.

Equipe Online - online@jcruzeiro.com.br

Fonte: jornalcruzeiro.com.br



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